Sino-Observações e Nanjing
5o dia na China, são agora 10 da noite e a esta hora já estou em clara quebra física! Para além de me ter fartado de andar pelas montanhas nos dois últimos dias, hoje dormi pouco porque fiquei a ver o Chelsea até quase às 4 da matina (a tv chinesa transmitiu em directo o Mourinho e seus pupilos). E não valeu muito a pena, fora mais uma exibição 5 estrelas do Ricardo Carvalho não houve golos e não achei que o Chelsea tivesse jogado grande coisa. Espero que hoje o Sporting faça picadinho dos holandeses, mas infelizmente não vai dar para ver essa jogatana :(
Cheguei ontem a mais uma pequena cidade do centro da China (cerca de 6 milhões de habitantes, tal como Nanjing - ambas cerca de metade de Xangai) por onde me vou quedar pelos próximos dois dias. Mas esta cidade não tem nada a ver com Nanjing, é super ordenada, bonita e diria mesmo que quase se assemelha a uma cidade europeia. Fica localizada a cerca de170 km a sudoeste de Xangai e as maiores atracções têm a ver com o magnífico lago e as montanhas que o rodeiam, onde se localizam diversos templos budistas, pagodes, campos de chá (prometo que vos trago o melhor que puder, nomeadamente ao SR que já pediu) e outras delícias que ficarão para o post de amanhã. Só vos digo e que tem sido um enorme privilégio conhecer o que tenho vindo a conhecer nestes dias com a minha super-guia!
A China tem-me estado a surpreender pelo desenvolvimento que tenho visto. Atenção que me refiro a esta parte do país, que está entre as 2 ou 3 mais ricas! Nas duas viagens inter-cidades que fiz até agora, fi-lo em transportes de excelente qualidade:
- De Xangai a Nanjing viajei num comboio novo cuja velocidade média rondou os 150 km/h ao som do "Bridge over troubled water" do Paul Simon e outras músicas do género. Fui parte da viagem a conversar com dois businessmen, um sul coreano e um chinês, que iam fazer contactos com clientes em Nanjing. A conversa foi tipicamente sobre economia, o estado actual da chinesa, coreana e da europeia. Eles perguntavam um ao outro quantas horas por semana trabalhavam e ambos chegaram à conclusão que não estavam ao nível dos americanos ou japoneses apesar de dizerem trabalhar mais de 45 horas por semana! O chinês trabalhava para uma empresa de super-condutores e o coreano em trading (de quê nao sei...), o qual se saiu com a frase de que é muito fácil fazer dinheiro, não tem segredo nenhum. Eu não lhe respondi, só sorri e pensei para mim que gostava de dizer uma destas com aquela confiança! Mas gostei de falar com eles!
Hangzhou está cheia de centros comerciais, zonas de lazer, jardins e uma zona de bares e restaurantes perto do lago onde tenho ido comer por tuta e meia e que é excelente. Isso é outra coisa óptima, aqui é tudo bastante barato.
Comer tambem tem sido um prazer, já deu para experimentar até agora sapo, pombo, tartaruga, caracóis e quero ver se ainda lhe dou no cão ou no gato :)


Mas ainda vos queria escrever mais qualquer coisa acerca da última cidade que visitei,
Nanjing
Observações
- O ciclista que carrega 4 bilhas de gás na parte de trás da bicicleta ou barras de ferro 2 vezes maiores que o comprimento da dita
- O ciclista que usa máscara de enfermeiro para se proteger da tremenda poluição
- O ciclista que tem uns óculos de sol do tamanho da cara, porque faz um calor do caraças naquela terra
Mas o curioso é que a atmosfera muda bastante entre a noite e o dia. À noite, com menos trânsito e pessoas na rua, e os néons e placards publicitários gigantes acesos nos edifícios mais altos (a presença de empresas e comércio de marcas internacionais é muito forte por todo o lado!!), a cidade fica com um ar mais civilizado a atraente. Acho que é um bocado assim na maioria das cidades asiáticas e o mesmo (nas devidas proporções) se passa com Xangai.
Politica e monumentos

No mausoléu, uma estutura tipo subida às pirâmides aztecas no México em que no cimo está o edifício com o túmulo, está sepultado o Sun Yat-Sen que foi o fundador do KMT.
O tipo era um médico que se tornou político no fim do séc. XIX e lutou muito contra o sistema imperial/feudal da China nessa altura (ver "O Ultimo imperador" do Bertolucci). Ele andou pela Europa e Japão e admirava muito as ideias da Revolução Francesa, pelo que se está mesmo a ver que queria implantar as ideias republicanas na China. Ele é conhecido pelos "3 principios do povo": democracia, nacionalismo e interesse público (e por isto é tambem muito respeitado pelos comunistas). Claro está que nessa altura a confusão politica na China era enorme, houve vários dirigentes no poder e não havia propriamente um país unido - no sul os republicanos ganhavam influência enquanto no norte (todo o território acima do rio Yang-tsé, que desagua em Xangai) as facções ligadas aos senhores da guerra controlavam o esquema (depois da derrota na guerra do ópio em meados do séc. XIX e das concessões aos estrangeiros em Xangai, o espírito nacional chinês estava completamente em baixo e o Sun lutou por recuperar a "força moral da nação"). A partir dos anos 20 o KMT passou a governar a China com o sr. Sun a presidir a partir da cidade de Nanjing. Mas os seus sonhos foram interrompidos em 1925 quando morreu - nessa altura o KMT mandou construir na cidade os monumentos magníficos que visitámos, não só o mausoléu (que esta cheio de símbolos do KMT, o sol branco sobre fundo azul que tambem consta da bandeira de Taiwan) como também uma área com um templo budista e um enorme edifício que os chineses chamam pagode. Este foi erigido em homenagem aos mortos pelo KMT na guerra civil que poucos anos depois estalou com o partido comunista, o qual foi ganhando muita força com o passar dos anos até à 2a guerra mundial. Achei também piada a várias esculturas de animais à volta destes templos e edifícios, alguns de estilo Ming :)
Por essa altura o Chiang Kai-Shek já tinha ganho proeminência (era um militar e os militares ganham sempre proeminência em situações de conflito, muitas vezes até os causam para o conseguirem...). A luta entre os 2 partidos é interrompida com a invasão japonesa, e ambas as facções juntam-se e lutam contra os mauzões nipónicos (ainda hoje se fala nisso como uma semente de cooperação para o futuro próximo entre Taiwan e Pequim) de onde saem vitoriosos. Depois do fim da 2a guerra voltam "à porrada" e os comunistas tomam conta do país em 1949 com o Mao, enquanto o Chiang foge para Taiwan com o seu exército, o corpo político do KMT e muito povo (que se juntou aos habitantes nativos de Taiwan que lá existiam). O resto da estória é conhecida (apoio dos americanos na guerra fria e até hoje, parlamento democrático e vários partidos implantados, desenvolvimento económico...), o KMT não está interessado na independência da Formosa até aos dias de hoje (são outros os partidos que a defendem, nomeadamente o que está agora no poder) porque me parece que o sonho deles é voltar a ser um dia o partido de poder em toda a China. O presidente actual do KMT (Lien Chen) veio agora à China a convite do Hu Jintao para ajudar a pacificar as relações dos dois lados do estreito e porque ele está na oposição agora e o Hu deve estar a querer tirar força ao actual PM em Taiwan. É o jogo político, mas em todo o caso o Chen tem feito uns bons discursos, ainda hoje na Universidade de Pequim fartou-se de falar em aproximação e cooperação entre os dois países, nas virtudes da democracia e mudança na China sem nunca confrontar directamente o governo chinês - o tipo é um orador muito hábil e sabe "jogar", pelo que não foi de estranhar o interesse com que os "populares" o receberam em Nanjing e que têm no KMT. O meu feeling pessoal a partir desta minha estada por cá é que se no futuro houver multipartidarismo na China (evoluírem para um modelo do tipo ocidental) só há duas hipoteses de haver grandes partidos: ou há uma cisão no PC e criam-se dois partidos fortes a partir das diferentes alas hoje existentes, ou então o KMT volta à cena chinesa e torna-se ele próprio um grande partido (porque tem história e tradição) de estilo social-democrata ou socialista. Como dizia um professor que tive(mos), "a História faz-se com as ideias disponíveis" e no presente não me parece haver muitas ideias distintas para se formar um novo partido forte. O que os meus amigos chineses dizem é que o cenário de democracia ainda esta muitíssimo longe de se concretizar, nao deve ser nas próximas dezenas de anos...
Outra questão, e para terminar com estas observações sócio-políticas, é a relação com o Japão. Acho que é uma coisa tipo França e Inglaterra, ou Áustria e Itália (para não dizer Portugal e Espanha, que é politicamente incorrecto hoje em dia...). Há feridas do passado ainda relativamente recentes (2ª guerra), há questões no presente (disputas territoriais e livros de história) e problemas para o futuro (jogo de influência na região, militarização de ambos os países e quejandos). Na polémica recente, por exemplo, a China acusa o Japão de não ter feito como a Alemanha depois do Hitler, ou seja, a classe política daqueles tempos ter sido completamente afastada da esfera do poder tal como as ideologias nacional socialistas o foram (ver o filme alemão "A Queda", por favor, bem como o Imperial War Museum em Londres quando puderem, ambos imperdíveis!). No Japão manteve-se o sistema imperial que perpetuou a mesma classe dirigente nas esferas do poder, e há o medo que a candidatura a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU traga nova militarização do Japão, dê força às alas mais à direita ligadas ao Exército e mudem a política pacifista que os nipónicos têm adoptado desde o pós-guerra (claro que a China não pode falar muito já que anda a investir bastante em armamento, mas como esteve do lado dos vencedores...). Também pode ser que a polémica seja toda por causa dos recursos energéticos disputados por ambos os países... Segundo parece os EUA também estão a rever a sua política geoestratégica no sentido de dar mais força ao Japão e perturbar a evolução da China; a(s) Coreia(s) é(são) o queijo no meio da sandes e corre(m) algum risco de ficar no meio da luta de influências entre dois pesos mais pesados.