D'APRÈS Um Vicente, algures entre LISBOA - LONDRES - XANGAI - BRUXELAS

sábado, abril 23

Falando sério

Caros caras,

Depois de uma travessia do deserto mais ou menos longa, cá estou de volta ao mundo (português) dos blogs.

E se a última entrada foi dedicada a um excerto do livro que andava a ler na altura, nesta entrada vou fazer o mesmo com o livro que ando a ler no presente - "O Melhor das Comédias da Vida Privada" do escritor brasileiro Luis Fernando Veríssimo (obrigado ao SB!).

O livro é composto por umas dezenas de crónicas dedicadas às "tragédias e comédias da classe média brasileira", e parece que foi um sucesso no país do grande Lulão. O sentido de humor da escrita é tipicamente brasileiro, o sexo e as "sacanagens" que moços e moças fazem uns aos outros são o tema mais dominante, e a língua é a mesma mas o tom é claramente distinto da forma de escrever da maioria dos autores portugueses. É outra cultura, outra maneira de sentir e outra alma (português com açúcar, dizem alguns), nem melhor nem pior que a lusa, muitas vezes mais excitante e muitas outras mais cansativa (doçurinha e ternurinha a mais também enjoa).

Uma coisa que eu acho djimais é a abundância de nomes superlativos que há no Brasil, neste caso Veríssimo. Não lhe bastava ser vero, tinha que ser mais que verdadeiro, veríssimo. Há uns tempos também li que há uma avenida numa cidade brasileira (não me lembro qual...) chamada Avenida Generalíssimo Sousa. Mas que ego, carambas! Ao Sousa não lhe bastava ser um simples general, tinha que ser um tipo extremamente general!!

Queria partilhar convosco uma das crónicas (intitulada "Falando Sério"), dedicada principalmente aos meus colegas agrónomos, e acerca de um tema que está um pouco fora de moda no nosso país (no Brasil não tanto) - a Reforma Agrária. Cá vai, imaginem a conversa com um sotaque brazuca num bar dji Cópácábâná ádjimirândo á práia e ô Pão dji Áçúcárrr :-)

"Ele disse:
- Ora, reforma agrária...
Ela disse:
- Vai dizer que você é contra?
Ele tentou cair fora:
- O assunto é muito complexo.
Ela insistiu:
- Espera um pouquinho.
- Dá um beijo, vai.
- Espera. Isto é importante. Eu quero saber.
- O quê?
- A reforma agrária. Você é contra?
- Por quê? Você é a favor?
- Mas só sou.
- Você quer que o velho divida as terras dele?
- Seu pai é latifundiário?
- Tremendo lati.
- Eu não sabia!
- Tem muita coisa a meu respeito que você ainda não sabe, boneca. Vem cá que eu te mostro...
- Espera. Falando sério.
- Dá uma beijoca.
- Falando sério pomba.
- Está bem. O que você quer saber?
- Seu pai. Quantos hectares ele tem? Ou acres? É acres ou hectares?
- E eu sei? Nunca fui lá.
- Quantos?
- Um monte.
- Mais ou menos?
- Olha, eles pegam no jipe da fazenda e, num dia, não conseguem chegar ao fim das nossas terras.
- Meu Deus do céu!
- É que o jipe quebra sempre. Dá um beijo, poxa.
- Pára.
- Vem cá, mulher!
- Não vou. Olha, nunca pensei, viu?
- O quê? Que o meu velho fosse fazendeiro? Como é que você pensa que eu tou pagando a faculdade? E o carro? E o apartamento? E as nossas alianças de noivado?
- Ele tem terra improdutiva?
- Tem. Exatamente a parte que ele está guardando pra me dar quando eu casar. A nossa terra, amor.
- Mas... E o seu discurso?
- Bom...
- Até eu achava radical. E olha que eu sou meio PT.
- Não vamos brigar por causa disto.
- Tudo o que você vive dizendo. Justiça social...
- Confere.
- A insensibilidade dos ricos no Brasil.
- Mantenho.
- Os escândalos dos sem-terra num país deste tamanho.
- Sustento.
- Vem cá. Outra noite, aqui mesmo, neste bar, você disse que toda a propriedade é um roubo. Eu achei bacanérrimo.
- Foi uma frase que me ocorreu na hora. Mas escuta...
- E agora vem dizer que é contra a reforma agrária.
- Eu não sou contra a reforma agrária. Teoricamente, sou a favor.
- E então?
-Você não entende? Agora não é teoria. Agora são as terras do velho! "

Lindo, hem!?

Abraços açucarados!