D'APRÈS Um Vicente, algures entre LISBOA - LONDRES - XANGAI - BRUXELAS

sábado, junho 11

As contas da Europa II

Na linha de post anterior e continuando o tema das contas europeias, vou tentar descrever de forma simples de onde vem o dinheiro para o Orçamento da UE e onde é que é depois aplicado/utilizado esse mesmo dinheiro. No fim vou especular sobre a racionalidade/justiça deste sistema e mandar umas bocas!

De onde vem o dinheirinho!

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O colorido gráfico acima apresentado (retirado das brochuras de divulgação da UE disponíveis no Centro Jacques Delors) mostra que existem quatro tipos principais de "recursos próprios" ou fontes de receita. A soma dos 4 correspondia a cerca de 90 mil milhões de euros em 2000, atingindo quase os 105 mil milhões de euros em 2006 - o total em cada ano é decidido pelo Conselho e Parlamento Europeu em função dasa despesas previstas, tendo em vista não ultrapassar 1,27% da riqueza da totalidade da UE (medida em PNB ou produto nacional bruto). O valor do Orçamento para 2006 corresponde a cerca de 50% do PIBppp de Portugal, mas apenas a cerca de 5% do da Alemanha (peanuts para estes!).

Os 4 tipos de recursos são:
1) Receitas próprias tradicionais - representavam em 2000 cerca de 14% do total de receitas, e incluem as contribuições agrícolas (cobradas sobre as importações de produtos agrícolas provenientes de fora da UE) e os direitos alfandegários não agrícolas, ambos decorrentes da pauta aduaneira comum aplicada às trocas comerciais da UE com países terceiros. Até aos anos 80 estas receitas tinham muito mais importância (devido ao valor elevado das tarifas), mas com os alargamentos e descida nas tarifas de importação foi preciso arranjar outros recursos.
2) Recurso IVA - representava em 2000 cerca de 35% das receitas totais, e consiste numa contribuição de cada Estado-Membro que corresponde ao que seria o produto do IVA cobrado à taxa de 1% sobre uma matéria colectável harmonizada (em 2004 passa apenas a 0,5%). Eu também não sei muito bem o que isto quer dizer, mas ok é uma percentagem do IVA cobrado pelo Governo de cada país.
3) Recurso PNB - representava em 2000 cerca de 50% e assenta no PNB ou riqueza de cada Estado-Membro. Este recurso complementa os outros dois, e julgo ser em relação a este que há a polémica do cheque britânico e de quanto é que cada país paga e recebe (contribuição líquida, ver post anterior). Este recurso é cada vez mais importante e é dele que vão depender as receitas da UE e as suas políticas no futuro (crescerá ou diminuirá??).
4) Diversos - tem pouca importância e consiste basicamente nos impostos cobrados aos funcionários das instituições europeias, nas multas infligidas pela Comissão a empresas por entraves à concorrência (viva a Microsoft!) e a saldos positivos de um ano para o outro.


Para onde vai o dinheirinho!

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E com os cerca de 100 milhões de euros em 2005 o que é que a UE fez de útil para o "puobo europeu"???

Antes de mais pagou aos funcionários bruxelenses, de Estrasburgo e do Luxemburgo. 5,4% das receitas são usadas em salários, pensões, imóveis e ao material. As instituições funcionam com cerca de 32 000 funcionários (não é tanto como parece, é o equivalente ao total dos funcionários do Ministério da Agricultura francês!!!! Ainda falam de Portugal...), a maioria dos quais da Comissão Europeia (mais de 20 000, sobretudo quadros técnicos). Os restantes trabalham no Parlamento Europeu e Conselho Europeu (sobretudo tradutores e conselheiros).

Depois, 4,5% vão para acções exteriores, em países fora da UE. Isto inclui ajuda alimentar, ajuda humanitária em situações de crise e catástrofes (guerras, furacões, terremotos...), cooperação para o desenvolvimento com países pobres (projectos de saúde, educação...), salvaguarda das florestas e ambiente, acções em prol da democracia e direitos humanos, mas também cooperação com países desenvolvidos e contribuições para organizações internacionais. Até 2000 a maior parte desta ajuda ia para os países da África sub-sahariana, para os Balcãs e países ex-URSS e para países do Norte de África e Médio Oriente (todos os que fazem fronteira com os países da UE). As migalhas vão para a América Latina e Caraíbas, para a Ásia e para as ilhotas do Pacífico.

Para os países a entrar no próximo alargamento (Bulgária e Roménia for sure, talvez Croácia e Turquia também) vai 1,8% do bolo, sobretudo para projectos nos domínios do Desenvolvimento Rural (modernização de explorações, qualidade dos produtos, melhorar o ambiente das zonas rurais...), das Redes de Transportes, do Ambiente e do desenvolvimentos de instituições democráticas e de economias de mercado.

O funcionamento das políticas internas (7,8%) que os Estados-Membros decidiram pôr em comum depende também de fundos para: investigação (fundos que tanto jovem licenciado empregam em Portugal!); transportes e energia (TGV, pois claro!); educação e juventude (os erasmus agradecem as borgas!); o Ambiente; Audiovisual e Cultura (para o Joaquim Sapinho continuar a fazer filmes...); segurança interna e fronteiras (Europol...); e por aí fora... O incrível é que o dinheiro destinado a todas estas políticas só represente menos de 8% em comparação com a agricultura e fundos regionais. É esta situação que provavelmente irá mudar no futuro (se a UE não acabar, claro!), e com certeza que evoluiu desde os anos 90 onde quase só havia fundos para a agricultura. Se a constituição fosse para a frente no futuro provavelmente haveria uma verba para políticas de defesa e segurança comum.

Agora, os grandes sourvedouros são a Agricultura (PAC, com 42,6% dos recursos totais!) e as Ajudas Regionais (36,4% do total). Juntas representam cerca de 80% dos gastos totais!!
Na área agrícola grande parte do dinheiro (proveniente de um fundo denominado FEOGA) é utilizado para pagar as ajudas directas às explorações agrícolas (1º pilar da PC ou políticas de preços e mercados), em especial aos cereais/arvenses, bovinos e ovinos e caprinos (agora todas incluídas no pagamento único); as ajudas ao desenvolvimento rural (denominado 2º pilar da PAC) ainda representam uma muito pequena proporção das despesas agrícolas totais. E quem papa boa parte dos dinheiros é a França. Vejam só!

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Na área dos fundos regionais a maior fatia do bolo vai para o desenvolvimento e modernização das regiões mais pobres da UE, e que são com certeza os fundos que mais interessam a Portugal - os tão batidos "Fundos da Coesão" (o objectivo nº1)! Neste caso é a Espanha a maior beneficiada.

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Mas quanto é que estes valores dos subsídios agrícolas e regionais representam por habitante de cada Estado Membro?

No gráfico abaixo as colunas representam, da esquerda para a direita, o valor dos subsídios agrícolas per capita (a negro), dos fundos regionais per capita (a cinzento claro) e da soma de ambos (a cinzento mais escuro).

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Daqui pode-se ter uma boa ideia das questões mais polémicas que se levantam acerca da justiça/injustiça na distribuição destes fundos. Algumas observações:

- O benefício enorme que a Irlanda tem tirado, sobretudo dos fundos agrícolas. Isto significa que é de longe o país com a estrutura das explorações agrícolas e os principais sectores (leite, bovinos e cereais) da sua agricultura mais adaptados à PAC. É por isso o país que mais recebe por habitante do orçamento da UE.

- Portugal é o segundo país que mais recebe por habitante em termos totais, mas o que menos recebe em termos agrícolas a par com o Reino Unido. Ou seja, somos os campeões do recebimento de fundos regionais, que tem sido o principal benefício para o nosso país!

- Em suma, os países mais beneficiados em termos agrícolas são, por ordem decrescente, a Irlanda, a Grécia, a Dinamarca e a França; os menos beneficiados o Reino Unido, a Alemanha e Portugal.

- Em termos de fundos regionais os mais beneficiados têm sido Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda. Os menos beneficiados os países do Benelux, o Reino Unido e a Dinamarca.


Especulações

A partir da descrição feita até aqui dá para entender mais claramente a questão das contribuições líquidas de cada país para o orçamento da UE. Para complementar o gráfico apresentado no post anterior, bem como os apresentados acima, vejam a seguir qual a contribuição líquida por habitante de cada Estado-Membro em 2003 (depois de descontada a quantia do cheque britânico).

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Embora a Alemanha seja de longe o maior contribuinte líquido, são a Holanda e a Suécia quem mais paga por habitante. Entre quem mais recebe por habitante estão Portugal, Espanha e Grécia (pois claro!), mas surpreendentemente também a Bélgica, a Irlanda e o Luxemburgo (!). E sem o cheque britânico também estariam a Itália e a Finlândia, e a França praticamente não contribuiria nada em termos líquidos.

E como é que este ranking das contribuições líquidas se pode comparar com um outro, o da riqueza relativa por habitante dos países da Europa??


Na tabela abaixo consta a riqueza per capita de cada país da ex-UE 15 (a cinzento), dos 10 países recém-entrados na UE (a azul), dos países do futuro alargamento (a castanho) e dos outros países da "europa rica" que não querem pertencer à UE (violeta). Todos os valores levam em conta o poder de compra de cada país (ppp) e têm como padrão o valor 100 para a média da UE 25.

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Olhando para isto, levanto aqui as seguintes interrogações/especulações:

- Se aceitarmos como boa a forma como estão estruturadas as políticas comunitárias e a legitimidade dos seus objectivos, então o cheque britânico é uma enorme injustiça! Significa que as regras não são iguais para todos, atingindo principalmente Holanda, Alemanha e Suécia (embora todos os países sejam afectados). E o que há a fazer é tentar encostar o Reino Unido à parede e obrigá-los a aceitar a mudança de regras!

- Se, pelo contrário, se achar que as políticas comunitárias não são correctas então os britânicos têm toda a razão em fazer a sua chantagem, e enquanto os franceses e alemães não aceitarem prescindir da PAC actual não há mais carcanhol para ninguém!!

- A PAC está sem dúvida no centro do debate, é o principal ponto do conflito dentro da UE entre Paris-Berlim e Londres no que diz respeito ao orçamento. Julgo que os fundos regionais são aceites por todos como legítimos, um instrumento fundamental para a solidariedade europeia - os países e regiões mais ricas têm que ajudar o(a)s mais pobres em nome da coesão (como os políticos tanto gostam de dizer...)!

- Enquanto as contribuições líquidas de cada país não seguirem mais proximamente em cada ano as diferenças de rendimento por habitante vai haver sempre injustiças e países que estão a pagar a outros sem razão - o caso mais (de)batido é o argumento dos ingleses, alemães e holandeses estarem no fundo a financiar os agricultores franceses (e italianos e espanhóis, acrescento eu), mas se calhar é mesmo o preço a pagar por terem acesso aos mercados destes países para produtos industriais e serviços...

- Portugal já foi ultrapassado em PIB per capita pela Eslovénia e Chipre, para o ano deve ser igualado por Malta e República Checa. Isto está bonito, está...

E pronto, por aqui termino o tema das "contas da Europa". Espero que tenha contribuido para divulgar alguma coisa de novo, ou menos conhecido, e que quem leia possa achar ter ficado melhor informado e mais preparado para ter uma opinião formada sobre as questões europeias. E por favor critiquem e digam-me a vossa opinião sobre o que ficou aqui escrito!

Ciao

sexta-feira, junho 10

Bloco de Notas: Filmes

Filmes bons e muito bons que vi recentemente:

- Sin City (A Cidade do Pecado)
- It's All Gone Pete Tong (com a excelente Beatriz Batarda!)
- The Interpreter (A Intérprete)
- The Downfall (A Queda - Hitler e o Fim do Terceiro Reich)
- De-Lovely (Cole Porter até soa melhor com a Ashley Judd!)
- Portugal - Eslováquia


Filmes pulhas e muito pulhas que vi recentemente:

- Kung Fu Hustler (Kung Fu Zão)
- Mr. and Mrs. Smith
- Birth (O Mistério)
- Danny the Dog Unleashed (Força Destruidora)
- Saída do Pedro Barbosa do Sporting

terça-feira, junho 7

As contas da Europa


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Olaré

Estando agora na ordem do dia o debate sobre o futuro da União Europeia, também eu quero dar um pequeno contributo para a divulgação de informação.
E, como o dinheirinho acaba sempre por ser o que realmente conta para a maior parte das pessoas (os putativos práticos e pragmáticos da vida!), o que interessa é saber quem é que está a pagar a festa, right!?!

De forma simples, as colunas do gráfico acima apresentado representam a contribuição líquida de cada país para o Orçamento da União Europeia em 2003 e só para os 15 países pertencentes antes do alargamento. Ou seja, a diferença entre o que cada país dá para o funcionamento das políticas e instituições comunitárias (1,... % da sua riqueza ou PNB), e o que recebe em subsídios (seja dos fundos de coesão e regionais como o FEDER, ou agrícolas a partir do FEOGA). A linha horizontal representa uma contribuição líquida de zero (dá-se tanto como o que se recebe) e olhando para o gráfico é self-evident quem mais contribui (Alemanha, Reino Unido e Holanda), quem mais recebe (Espanha, Grécia e Portugal) e quem nem é carne nem peixe (Áustria, Finlândia, Dinamarca...).

A diferença entre as colunas vermelhas e azuis tem a ver com o famigerado cheque britânico (ou rebate)! Este representa uma quantia de cerca de 3 putativos biliões de libras (!!!) que todos os anos a UE devolve ao Reino Unido, esse país tão especial, e que foi negociado/exigido pela Maggie Thatcher em 1984. Ora na altura isto fazia algum sentido, dado que a Inglaterra tinha uma economia mais fraca que a França ou Alemanha, muito menor superfície agrícola, e a mesma população, pelo que a sua contribuição líquida era desproporcionalmente grande e injusta.

Hoje em dia trata-se de um privilégio insustentável. O Reino Unido é a segunda maior economia da Europa a seguir à Alemanha, está com uma boa dinâmica,

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desemprego baixo, e para além disso houve o Alargamento com a entrada de dez países maioritariamente pobres. Portanto a Alemanha já não tem que ser pai, mãe e tio de toda a gente, chegou a hora dos brits fazerem concessões e acabar-se a brincadeira. Está certo que a Alemanha deu cabo da Europa há 60 anos atrás e que tem uma certa dívida moral, mas quando os países da Europa ocidental (por coincidência os mais ricos hoje em dia...) precisaram de se reconstruir tiveram o apoio dos EUA através do Plano Marshall. Hoje em dia parece que anda tudo esquecido quando falam acerca dos países de Leste, ninguém quer pagar a factura!

A França então, esse outro país especial, é mais um caso do caraças (tal como a Itália, são uns mimados!). Com o tamanho que tem contribui menos em termos líquidos para a UE que a Holanda (e o seu porto de Roterdão...), que é um país cerca de 4 vezes mais pequeno! Aqui também pode radicar alguma razão para o não holandês no referendo. E o que é que está a distorcer as coisas? Em grande medida é a PAC, não há grandes dúvidas, essa política tão cara aos franceses. E sem o cheque britânico Itália e França quase que nem contribuintes líquidos eram! Para quem sempre fala tão grosso na Europa...

Agora quem está mesmo mesmo mesmo a beneficiar com esta brincadeira é a Espanha, de longe o maior receptor em termos líquidos da UE devido à PAC e aos fundos regionais. Claro que só têm que votar SIM À EUROPA por mais de 70% em qualquer referendo que haja agora ou no futuro!!

Casos que me intrigam são os da Bélgica, Irlanda, Luxemburgo e Finlândia. Tudo países bastante ricos hoje em dia, com economias prósperas, desemprego baixo, pequeninos e na situação de beneficiários líquidos. Percebe-se por causa da estrutura das políticas comunitárias mas é um bocado estranho dado que em rendimento per capita PPP os 4 países estão entre os 5 ou 6 mais ricos da UE. Luxemburgo é o mais rico seguido pela Irlanda (quem a viu e quem a vê)! Acho que é uma situação que tem que ser revista no futuro próximo.

Com a discussão das Perspectivas Financeiras (ou seja, o putativo Orçamento da UE) para o período 2007-2013, é de prever que as negociações irão aquecer. As injustiças com certeza que vão continuar, vamos ver quem sairá a perder no futuro. Cá para mim não me admirava que Portugal saísse a perder, bem como os países de Leste que tantas esperanças alimentaram. A chave vai estar no que o Reino Unido e a Alemanha decidirem em relação ao cheque britânico, às políticas prioritárias a financiar e à % da riqueza que cada país terá que colocar no Orçamento da UE (1%?? 1,07%?? ou 1,14%??). Imaginem, neste contexto de aperto financeiro, o que é considerar a entrada da gigantesca, pobre, muçulmana e putativa Turquia! Os países contribuintes líquidos até devem entortar os olhos. Mesmo a Roménia e Bulgária não vão ser fáceis de digerir... Quem é que vai alargar os cordões à bolsa??

E o que acham vocês disto tudo, caros e putativos amigos?

Best putative wishes!