Na linha de post anterior e continuando o tema das contas europeias, vou tentar descrever de forma simples de onde vem o dinheiro para o Orçamento da UE e onde é que é depois aplicado/utilizado esse mesmo dinheiro. No fim vou especular sobre a racionalidade/justiça deste sistema e mandar umas bocas!
De onde vem o dinheirinho!
O colorido gráfico acima apresentado (retirado das brochuras de divulgação da UE disponíveis no Centro Jacques Delors) mostra que existem quatro tipos principais de "recursos próprios" ou fontes de receita. A soma dos 4 correspondia a cerca de 90 mil milhões de euros em 2000, atingindo quase os 105 mil milhões de euros em 2006 - o total em cada ano é decidido pelo Conselho e Parlamento Europeu em função dasa despesas previstas, tendo em vista não ultrapassar 1,27% da riqueza da totalidade da UE (medida em PNB ou produto nacional bruto). O valor do Orçamento para 2006 corresponde a cerca de 50% do PIBppp de Portugal, mas apenas a cerca de 5% do da Alemanha (peanuts para estes!).
Os 4 tipos de recursos são:
1) Receitas próprias tradicionais - representavam em 2000 cerca de 14% do total de receitas, e incluem as contribuições agrícolas (cobradas sobre as importações de produtos agrícolas provenientes de fora da UE) e os direitos alfandegários não agrícolas, ambos decorrentes da pauta aduaneira comum aplicada às trocas comerciais da UE com países terceiros. Até aos anos 80 estas receitas tinham muito mais importância (devido ao valor elevado das tarifas), mas com os alargamentos e descida nas tarifas de importação foi preciso arranjar outros recursos.
2) Recurso IVA - representava em 2000 cerca de 35% das receitas totais, e consiste numa contribuição de cada Estado-Membro que corresponde ao que seria o produto do IVA cobrado à taxa de 1% sobre uma matéria colectável harmonizada (em 2004 passa apenas a 0,5%). Eu também não sei muito bem o que isto quer dizer, mas ok é uma percentagem do IVA cobrado pelo Governo de cada país.
3) Recurso PNB - representava em 2000 cerca de 50% e assenta no PNB ou riqueza de cada Estado-Membro. Este recurso complementa os outros dois, e julgo ser em relação a este que há a polémica do cheque britânico e de quanto é que cada país paga e recebe (contribuição líquida, ver post anterior). Este recurso é cada vez mais importante e é dele que vão depender as receitas da UE e as suas políticas no futuro (crescerá ou diminuirá??).
4) Diversos - tem pouca importância e consiste basicamente nos impostos cobrados aos funcionários das instituições europeias, nas multas infligidas pela Comissão a empresas por entraves à concorrência (viva a Microsoft!) e a saldos positivos de um ano para o outro.
Para onde vai o dinheirinho!
E com os cerca de 100 milhões de euros em 2005 o que é que a UE fez de útil para o "puobo europeu"???
Antes de mais pagou aos funcionários bruxelenses, de Estrasburgo e do Luxemburgo. 5,4% das receitas são usadas em salários, pensões, imóveis e ao material. As instituições funcionam com cerca de 32 000 funcionários (não é tanto como parece, é o equivalente ao total dos funcionários do Ministério da Agricultura francês!!!! Ainda falam de Portugal...), a maioria dos quais da Comissão Europeia (mais de 20 000, sobretudo quadros técnicos). Os restantes trabalham no Parlamento Europeu e Conselho Europeu (sobretudo tradutores e conselheiros).
Depois, 4,5% vão para acções exteriores, em países fora da UE. Isto inclui ajuda alimentar, ajuda humanitária em situações de crise e catástrofes (guerras, furacões, terremotos...), cooperação para o desenvolvimento com países pobres (projectos de saúde, educação...), salvaguarda das florestas e ambiente, acções em prol da democracia e direitos humanos, mas também cooperação com países desenvolvidos e contribuições para organizações internacionais. Até 2000 a maior parte desta ajuda ia para os países da África sub-sahariana, para os Balcãs e países ex-URSS e para países do Norte de África e Médio Oriente (todos os que fazem fronteira com os países da UE). As migalhas vão para a América Latina e Caraíbas, para a Ásia e para as ilhotas do Pacífico.
Para os países a entrar no próximo alargamento (Bulgária e Roménia for sure, talvez Croácia e Turquia também) vai 1,8% do bolo, sobretudo para projectos nos domínios do Desenvolvimento Rural (modernização de explorações, qualidade dos produtos, melhorar o ambiente das zonas rurais...), das Redes de Transportes, do Ambiente e do desenvolvimentos de instituições democráticas e de economias de mercado.
O funcionamento das políticas internas (7,8%) que os Estados-Membros decidiram pôr em comum depende também de fundos para: investigação (fundos que tanto jovem licenciado empregam em Portugal!); transportes e energia (TGV, pois claro!); educação e juventude (os erasmus agradecem as borgas!); o Ambiente; Audiovisual e Cultura (para o Joaquim Sapinho continuar a fazer filmes...); segurança interna e fronteiras (Europol...); e por aí fora... O incrível é que o dinheiro destinado a todas estas políticas só represente menos de 8% em comparação com a agricultura e fundos regionais. É esta situação que provavelmente irá mudar no futuro (se a UE não acabar, claro!), e com certeza que evoluiu desde os anos 90 onde quase só havia fundos para a agricultura. Se a constituição fosse para a frente no futuro provavelmente haveria uma verba para políticas de defesa e segurança comum.
Agora, os grandes sourvedouros são a Agricultura (PAC, com 42,6% dos recursos totais!) e as Ajudas Regionais (36,4% do total). Juntas representam cerca de 80% dos gastos totais!!
Na área agrícola grande parte do dinheiro (proveniente de um fundo denominado FEOGA) é utilizado para pagar as ajudas directas às explorações agrícolas (1º pilar da PC ou políticas de preços e mercados), em especial aos cereais/arvenses, bovinos e ovinos e caprinos (agora todas incluídas no pagamento único); as ajudas ao desenvolvimento rural (denominado 2º pilar da PAC) ainda representam uma muito pequena proporção das despesas agrícolas totais. E quem papa boa parte dos dinheiros é a França. Vejam só!
Na área dos fundos regionais a maior fatia do bolo vai para o desenvolvimento e modernização das regiões mais pobres da UE, e que são com certeza os fundos que mais interessam a Portugal - os tão batidos "Fundos da Coesão" (o objectivo nº1)! Neste caso é a Espanha a maior beneficiada.
Mas quanto é que estes valores dos subsídios agrícolas e regionais representam por habitante de cada Estado Membro?
No gráfico abaixo as colunas representam, da esquerda para a direita, o valor dos subsídios agrícolas per capita (a negro), dos fundos regionais per capita (a cinzento claro) e da soma de ambos (a cinzento mais escuro).
Daqui pode-se ter uma boa ideia das questões mais polémicas que se levantam acerca da justiça/injustiça na distribuição destes fundos. Algumas observações:
- O benefício enorme que a Irlanda tem tirado, sobretudo dos fundos agrícolas. Isto significa que é de longe o país com a estrutura das explorações agrícolas e os principais sectores (leite, bovinos e cereais) da sua agricultura mais adaptados à PAC. É por isso o país que mais recebe por habitante do orçamento da UE.
- Portugal é o segundo país que mais recebe por habitante em termos totais, mas o que menos recebe em termos agrícolas a par com o Reino Unido. Ou seja, somos os campeões do recebimento de fundos regionais, que tem sido o principal benefício para o nosso país!
- Em suma, os países mais beneficiados em termos agrícolas são, por ordem decrescente, a Irlanda, a Grécia, a Dinamarca e a França; os menos beneficiados o Reino Unido, a Alemanha e Portugal.
- Em termos de fundos regionais os mais beneficiados têm sido Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda. Os menos beneficiados os países do Benelux, o Reino Unido e a Dinamarca.
Especulações
A partir da descrição feita até aqui dá para entender mais claramente a questão das contribuições líquidas de cada país para o orçamento da UE. Para complementar o gráfico apresentado no post anterior, bem como os apresentados acima, vejam a seguir qual a contribuição líquida por habitante de cada Estado-Membro em 2003 (depois de descontada a quantia do cheque britânico).
Embora a Alemanha seja de longe o maior contribuinte líquido, são a Holanda e a Suécia quem mais paga por habitante. Entre quem mais recebe por habitante estão Portugal, Espanha e Grécia (pois claro!), mas surpreendentemente também a Bélgica, a Irlanda e o Luxemburgo (!). E sem o cheque britânico também estariam a Itália e a Finlândia, e a França praticamente não contribuiria nada em termos líquidos.
E como é que este ranking das contribuições líquidas se pode comparar com um outro, o da riqueza relativa por habitante dos países da Europa??
Na tabela abaixo consta a riqueza per capita de cada país da ex-UE 15 (a cinzento), dos 10 países recém-entrados na UE (a azul), dos países do futuro alargamento (a castanho) e dos outros países da "europa rica" que não querem pertencer à UE (violeta). Todos os valores levam em conta o poder de compra de cada país (ppp) e têm como padrão o valor 100 para a média da UE 25.
Olhando para isto, levanto aqui as seguintes interrogações/especulações:
- Se aceitarmos como boa a forma como estão estruturadas as políticas comunitárias e a legitimidade dos seus objectivos, então o cheque britânico é uma enorme injustiça! Significa que as regras não são iguais para todos, atingindo principalmente Holanda, Alemanha e Suécia (embora todos os países sejam afectados). E o que há a fazer é tentar encostar o Reino Unido à parede e obrigá-los a aceitar a mudança de regras!
- Se, pelo contrário, se achar que as políticas comunitárias não são correctas então os britânicos têm toda a razão em fazer a sua chantagem, e enquanto os franceses e alemães não aceitarem prescindir da PAC actual não há mais carcanhol para ninguém!!
- A PAC está sem dúvida no centro do debate, é o principal ponto do conflito dentro da UE entre Paris-Berlim e Londres no que diz respeito ao orçamento. Julgo que os fundos regionais são aceites por todos como legítimos, um instrumento fundamental para a solidariedade europeia - os países e regiões mais ricas têm que ajudar o(a)s mais pobres em nome da coesão (como os políticos tanto gostam de dizer...)!
- Enquanto as contribuições líquidas de cada país não seguirem mais proximamente em cada ano as diferenças de rendimento por habitante vai haver sempre injustiças e países que estão a pagar a outros sem razão - o caso mais (de)batido é o argumento dos ingleses, alemães e holandeses estarem no fundo a financiar os agricultores franceses (e italianos e espanhóis, acrescento eu), mas se calhar é mesmo o preço a pagar por terem acesso aos mercados destes países para produtos industriais e serviços...
- Portugal já foi ultrapassado em PIB per capita pela Eslovénia e Chipre, para o ano deve ser igualado por Malta e República Checa. Isto está bonito, está...
E pronto, por aqui termino o tema das "contas da Europa". Espero que tenha contribuido para divulgar alguma coisa de novo, ou menos conhecido, e que quem leia possa achar ter ficado melhor informado e mais preparado para ter uma opinião formada sobre as questões europeias. E por favor critiquem e digam-me a vossa opinião sobre o que ficou aqui escrito!
Ciao