D'APRÈS Um Vicente, algures entre LISBOA - LONDRES - XANGAI - BRUXELAS

quarta-feira, maio 11

Xangai city e Xitang

Dear Mates,

Estou já em Londres, depois de mais uma muy longa viagem e da superação do inevitável jet-leg. Depois de 2 semanas do outro lado do Mundo ainda me estou a readaptar à vida calma de Londres, por comparação com o frenesim de Xangai. Até me parece estranho não ver a toda a hora dezenas de bicicletas na estrada, nem ouvir as intermináveis e ruidosas buzinadelas dos taxistas, automobilistas e ciclistas. Eu diria que parte da explicação para as diferenças entre Londres e Xangai tem a ver com uma lei da termodinâmica, a Lei da Entropia: quanto maior o número de entidades presentes num determinado volume de espaço, maior a velocidade e o número de choques entre elas, resultando daí a elevação da temperatura medida nesse mesmo espaço. Xangai tem maior "nível de entropia" e é essa uma das características que a distinguem da maioria das cidades europeias, é um caldeirão mais agitado! :)

Este vai ser o último post da "colecção Xangai", já ligeiramente em tom de retrospectiva, à distância :-( Nos posts anteriores já escrevi acerca da maior parte do que vi e vivi, e deixei para o fim um pouco da fascinante História de Xangai e dos seus bairros.

Apartes

Antes disso apenas dizer que, como devem ter reparado, não foi possível pôr fotos no blog a partir da sinolândia. Tal deve-se a factores alheios à minha vontade, mas convido-vos a partir de amanhã a revisitar os posts de Xangai onde integrarei bué de fotos.

Outro aparte é que não foi possível visitar Suzhou (capital da produção de seda e "Veneza da China" por causa dos seus canais) conforme tinha planeado, devido à inexistência de bilhetes de autocarro ou comboio. É um dos problemas na China, devido às leis do país toda a gente é obrigada a tirar férias ao mesmo tempo, pelo que visitar os principais pontos turísticos na "semana do trabalhador" é um caos! Em alternativa fui a outra vila fluvial mais modesta chamada Xitang. Muito gira, óptima comida (principalmente mariscada) e belo passeio pelos canais! Seda é que não vi, fica para a próxima... Mas visitei uma "adega" onde se produz vinho de arroz e onde o processo de produção estava pintado nas paredes. Ora espreitem!

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História

Até ao ano de 1842 Xangai praticamente não existia. A sua importância como cidade e porto era diminuta em comparação com outros centros de produção e comércio de chá e seda como Hangzhou e Suzhou, cuja notoriedade durava já há séculos. As coisas mudam por volta dessa altura por causa dos ingleses (no seu período áureo, no tempo da Rainha Vitória), tal como aconteceu em muitos outros pontos da Ásia.


De fins do séc. XVII até princípios do séc. XIX os ingleses praticamente só faziam comércio com os portos da região do Cantão (ou Guangdong em chinês, onde se localizam Macau e Hong Kong): os ingleses compravam chá, seda e porcelanas, enquanto os chineses compravam lã e especiarias. Nesta altura os chineses ficavam a ganhar nas trocas, mas no fim do sec. XVIII os ingleses decidiram dar a volta ao texto: começaram a trazer ópio da Índia, e trocavam-no por prata chinesa com a qual compravam os mais desejados produtos chineses. O comércio do ópio ganhou tanta importância, e o consumo pelos chineses aumentou tanto nessas décadas, que as autoridades chinesas (dinastia Qing) tentaram pôr fim ao mesmo: em 1839 comerciantes ingleses foram presos e quantidades enormes de ópio deitadas ao mar. Depois de negociações falhadas entre as autoridades de ambos os reinos, os ingleses decidiram tratar do assunto ao seu estilo e invadiram Xangai em 1842, tendo chegado até Nanjing. Nessa cidade assinaram o chamado Tratado de Nanjing que marcou os destinos da cidade durante mais de um século e estipulava o seguinte:
- Paz entre a China e o Reino Unido
- Garantias de segurança e protecção aos cidadãos e propriedade britânicas
- A abertura da província do Cantão; das cidades de Fuzhou e Xiamen (na província de Fujian, a norte do Cantão) e Ningbo (na província de Zhejiang, a sul de Xangai); e de Xangai
- Permissão de residência nessas cidades/províncias a cidadãos estrangeiros e abertura de consulados nas mesmas para dinamização do comércio
- Tarifas justas de importação e exportação
- A posse de Hong Kong (é daqui que ela vem!)
- Uma indemnização de 18 milhões de dólares

Está visto que o comércio de ópio (a principal razão na base da Guerra do Ópio) não fez parte do tratado e os ingleses continuaram a controlá-lo para seu enorme proveito. Na verdade um dos principais bancos ingleses actualmente, o HSBC (Hong Kong and Shanghai Banking Corporation, se vierem a Londres veêm-no em todo o lado), ganhou toda a sua dimensão e poderio pelo papel que teve na gestão do comércio do ópio no sudeste asiático. O seu antigo edifício é o maior e mais sumptuoso ainda hoje localizado numa das principais avenidas de Xangai (o Bund).
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Bom, mas o que se seguiu foi que os Americanos e os Franceses aproveitaram a embalagem e assinaram tratados parecidos com os chineses (nesta altura já estavam por tudo...) e estabeleceram-se nas mesmas cidades. Xangai foi a que mais prosperidade teve, devido à excelente localização geográfica (na foz do Yang-tsé e a meio da costa chinesa, entre o Mar Amarelo e o Mar do Este da China), à inexistente interferência do Governo chinês e à própria vocação comercial dos xangainenses.

A navegação no porto da cidade cresceu muitíssimo, a população de estrangeiros aumentou e vem dessa altura a constituição dos povoamentos (settlements) ou concessões (concessions) estrangeiros em Xangai, cuja delimitação ainda hoje permanece entre os bairros. Inicialmente os estrangeiros estavm divididos em 3 concessões: a inglesa, a americana (estas duas fundiram-se em 1863, criando o chamado 'International Settlement') e a francesa. Cada uma delas constituiu as suas instituições próprias (tipo câmaras municipais) e geria todos os aspectos dessas concessões desde o saneamento ao planeamento urbano. Como podem concluir Xangai foi, em grande medida, uma invenção ocidental baseada no comércio/negócios e essa ainda é hoje a principal vocação da cidade.

Com o passar dos anos o padrão da economia alterou-se e sectores como os têxteis, o mercado imobiliário, os bancos, os seguros e a indústria naval começaram a desenvolver-se. Os bancos foram um dos sectores que mais se desenvolveu, pelo facto de a totalidade dos empréstimos, dívidas e indemnizações na China terem que passar necessariamente através de Xangai. Uma particularidade curiosa na altura era a existência de intermediários chineses do Cantão conhecidos por todos como compradors (nome dado pelos Portugueses), que eram os principais responsáveis pelo estabelecimento de negócios de compra e venda entre os chineses "puros" e os ocidentais (os cantoneses eram, e ainda são, lixados para o negócio). Está claro de ver que no fim do séc. XIX e princípio do séc. XX, Xangai se tornou uma metrópole que atraía imigrantes e empresários da China, capital estrangeiro e pessoal qualificado para todos os sectores.

O controlo estrangeiro da cidade durou cerca de 100 anos (!!), até à invasão japonesa na 2ª guerra e atribuição dos direitos sobre as concessões estrangeiras ao Chiang Kai-Shek em 1943. Até essa altura tornou-se uma das cidades mais industriais e cosmopolitas do Mundo (3 vezes maior que Londres), onde acorria todo o tipo de malta: milhares de Judeus fugidos das perseguiçoes nazis, os quais prosperaram muitíssimo (ainda hoje há um bairro judeu e uma sinagoga no norte da cidade); Russos mencheviques fugidos da Revolução Comunista (viviam na zona francesa, ainda hoje se veêm igrejas ortodoxas nessa zona), não tinham a sua própria concessão e estavam sujeitos às leis chinesas pelo que eram olhados com sobranceria pelos outros ocidentais; Japoneses interessados no comércio criaram a sua própria concessão e nos anos 30 a guerra entre chineses e japoneses tomou tais proporções (os japoneses invadiram o norte da China em 1931) que a cidade foi bombardeada em 1937, morreram milhares de pessoas e alguns dos principais edifícios foram destruídos no dia que ficou conhecido como 'Sábado Sangrento' (julgo que é desta altura que vem a história do Império do Sol do Spielberg, que descreve a evacuação dos estrangeiros da cidade e os campos de concentração montados pelos japoneses).

O ambiente dos anos 20 e 30 foi o que tornou a cidade famosa: as casas de ópio (mais de 1500 na cidade, conhecidas por 'ninhos de andorinha' - terá a ver com a sopa?), as casas de prostituição (mais de 600, conhecidas por 'casas de flores') e a corrupção generalizada; as gangues do crime organizado (tríades) e a violência; as sociedades secretas; o glamour dos clubes privados, dos edifícios art deco e das festas e eventos de ingleses, americanos e franceses; a pobreza extrema de grande parte dos chineses, o que levou ao despontar dos movimentos comunistas e a revoltas no campo e na cidade.
Por essa altura o KMT estava no poder e o Chiang Kai-Shek fez das suas ao aliar-se aos comunistas contra os poderes ocidentais e depois traí-los e dizimá-los com o apoio dos grupos das tríades de Xangai. Depois da derrota dos japoneses foi o caos, a guerra civil entre comunistas e nacionalistas (KMT), que os últimos perderam mas fugiram com todas as reservas de ouro do país para Taiwan.

De 1949, data da Revolução Comunista até aos anos 90 foi um período de retrocesso económico, embora o PC tenha acabado com o ópio, a prostituição, o trabalho infantil, os guetos e as famílias burguesas pelo caminho. Xangai era vista pelo novo regime como demasiado influenciada pelo ocidente e acabou por se tornar o berço da Revolução Cultural (tinha por objectivo destruir os quatro pecados: velhos costumes, velhos hábitos, velha cultura e venha forma de pensar), o exército invadiu a cidade e instituíu a anarquia, foi constituída uma Comuna (inspirada na Comuna de Paris do séc XIX) que durou apenas 3 semanas tendo sido reposta a ordem por ordem do Mao. Há vários filmes chineses que descrevem este período, os que mais gostei foram "O papagaio de papel azul", "Adeus, minha concubina" do Chen Kaige e o "Viver" do Zhang Yimou - vio-os nos primeiros anos da faculdade, passaram nos cinemas em Lisboa porque ganharam todos prémios em Cannes e o Paulo Branco encarregou-se de os comercializar no nosso burgo.
Em resumo foi a maluqueira total: alunos a dar porrada nos professores e fechar escolas; operários a fechar as indústrias; jovens a ir para os campos de trabalho e reeducação maoísta fora das cidades para os ensinar as virtudes da agricultura (o Danune sabe o que é isto...); templos foram devastados, os monges e padres postos a produzir guarda-chuvas ou nos campos de trabalho. Os pais da Lu (ambos profs) passaram por este período e não deve ter sido pera doce! Depois de 1976 veio o Deng Xiao-Ping, introduziu as reformas de mercado e a China começou a abrir, mais a partir do fim da Guerra Fria.

A partir dos anos 90 foi a explosão de investimento do Governo na Central, e boa parte dos arranha-céus que se veêm hoje em dia foram construídos depois de 1990, bem como as pontes, o metro, o aeroporto internacional, os museus e centros de convencções... o objectivo é tornar-se a capital financeira da Ásia e suplantar Hong Kong, segundo dizem nos próximos 20 anos.

Bairros

Hoje em dia a antiga concessão inglesa é a área denominada Bund e bairros adjacentes, onde as antigas instituições financeiras dos brits se localizam. A área é muito gira, principalmente à noite com os placards luminosos das marcas internacionais no topo dos edifícios acesas. Olhar para o bairro novo do outro lado do rio, Pudong a nova zona financeira (tipo Manhattan), à noite é espectacular! A torre é chamada Oriental Pearl Tower, é a maior torre de TV/Rádio da Ásia e a terceira maior do Mundo. A inspiração de quem a construíu veio parcialmente da Torre Eiffel, mas aquelas bolas rosa choc só podiam ser ideia de asiáticos (embora à noite a iluminação seja toda XPTO). Mais uma cena futurista...

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Do Bund sai em perpendicular a maior artéria comercial da cidade, fechada ao trânsito, chamada Nanjing Lu (onde se vendem umas frutas que nunca tinha visto), a qual vai dar à Renmin Square ou Praça do Povo (onde se localiza o Museu de Shanghai, que é o melhor museu do país e equivalente ao British Museum, mas apenas dedicado à China - as colecções de bronzes, jade, caligrafia, mobiliário e trajes tradicionais das diferentes regiões da China são de facto muito interessantes).

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A Concessão Francesa é das zonas mais interessantes da cidade, com muitos edifícios antigos e alamedas ladeadas por plátanos que fazem lembrar algumas boulevards de Paris (sorry, sem fotos...). Outra das principais ruas comerciais da cidade, a Huaihai Lu, localiza-se aí bem como as melhores zonas de pubs e discotecas.


A Parte Antiga de Shanghai (chamada Old Town) é a zona mais castiça, tipicamente chinesa e mais especificamente xangainesa. As grandes atracções são o bazar localizado nas ruas propriamente ditas (onde me fartei de regatear preços de souvenirs!), a casa de chá mais antiga e famosa da China (onde bebi o chá de flores que é uma delícia, acompanhado de uns ovos de codorniz!), e uns jardins tipicamente chineses (chamados YuYuan) que também são um dos principais spots da cidade.


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E por aqui termino "Um Vicente em Xangai". Obrigado pelos comentários e espero que tenham gostado da partilha, por vezes exaustiva, de informação. Mas olhem, eu gosto de escrever, é mal de família! :)

Adeus! Bye bye! Au revoir! Sayonara! Auf wiedersehen! Zai jian! Darsdnovya!

4 Comments:

Blogger serebelo said...

Muito fixe.
Ainda bem que tiveste a paciência para escrever tanta cena... eu adorei!
Agora venha o chá!
Diverte-te por Londres... e se vieres cá a Lx, diz que tenho umas cenas q adorava quem me trouxesses daí...
See ya

8:21 da tarde

 
Blogger nadja said...

Se escrever é fácil e bom, continua... deste lado sou fã incondicional... os teus posts dão mais horizonte a esta realidadezinha aqui do "burgo". Beijocas, Nádia

12:55 da tarde

 
Blogger nadja said...

Se escrever é fácil e bom, continua... deste lado sou fã incondicional... os teus posts dão mais horizonte a esta realidadezinha aqui do "burgo". Beijocas, Nádia

12:57 da tarde

 
Blogger Yara Mattos said...

Adoraria escrever como vc , ter esse dom,por no papel as emoções com a facilidade que pinto um quadro...
estou indo pra China amanhã
vou segui vários de teus passos
obrigada por simplesmente
existir.
BJS Yaya

2:53 da manhã

 

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